SOBRE AS ASAS DO TEMPO...
Segundo o prólogo escrito por Apolônio, trata-se de “ Modesta seleção de poemas e trechos de poemas e sonetos e versos esparsos compostos em idades diferentes” e que teve por limite “o alcance tardio da memória pessoal”, pois como a grande maior parte de seus textos e documentos os originais e eventuais transcrições não sobreviveram aos longos períodos de clandestinidade.O fascículo, gentilmente editado pela designer gráfica Beatriz Goulart, foi dedicado aos netos e sobrinhos-neto, chamando a atenção para aproveitar os momentos de inspiração:
“ O segredo está em abrir para eles os olhos, assim como os ouvidos, a voz e também as mãos, numa acolhida ao mesmo tempo amena e fraterna”.
Leia as poesias...
Costurando de Novo as Bandeiras Vermelhas
Marcelo Mário de Melo, em memória de Apolônio de Carvalho
Poesia é celebração.
Quando os poetas
agridem e destroem
apenas celebram
pelo avesso.
Como o dono
que grita com o cão arisco
esperando
sua cauda alegre
ou a criança
que agride
querendo afago
ou o amante
que se fecha em copas
antes de abrir o corpo.
O que fazer
quando companheiros de viagem
alteram as rotas
ameaçando
o barco
vida
a tripulação
os passageiros?
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O sol
guardião das bandeiras vermelhas
ficou aprisionado
um tempo
em camadas de nuvens escuras
e então as bandeiras vermelhas
foram arrancadas dos mastros
e largadas sujas.
Mas um dia
como um touro cercado
ele agride as trevas
e irrompe em raios
queimando corpos
fazendo incêndios.
E aí alguns se queixam
indignados
tachando-o de violento
e exagerado.
Mas o que dizer
da dor
dos artesãos anônimos
que anos e anos juntaram
retalhos
linhas
esperanças
costurando bandeiras
e erguendo-as nos mastros
bordadas de estrelas?
Não temos coração de ferro
e também nos dói
ver companheiros
caídos em desgraça.
Gostaríamos de tê-los entre nós
todos satisfeitos e leves
como o cão balançando a cauda
o menino no colo
o amante no abraço
o corpo aquecido no sol
a bandeira vermelha
tremulando limpa.
Mas agora não é hora
de alegria
choro amargo
olhar de lado
ou deixar
que afunde o barco.
No campo aberto
das batalhas perdidas
recolhemos despojos
e tratamos feridas expostas
enquanto as hienas
rondam e riem.
Diante do sol
retomamos o mesmo desafio
de dar as mãos
e costurar de novo
as nossas bandeiras vermelhas
bordadas de estrelas.
guardião das bandeiras vermelhas
ficou aprisionado
um tempo
em camadas de nuvens escuras
e então as bandeiras vermelhas
foram arrancadas dos mastros
e largadas sujas.
Mas um dia
como um touro cercado
ele agride as trevas
e irrompe em raios
queimando corpos
fazendo incêndios.
E aí alguns se queixam
indignados
tachando-o de violento
e exagerado.
Mas o que dizer
da dor
dos artesãos anônimos
que anos e anos juntaram
retalhos
linhas
esperanças
costurando bandeiras
e erguendo-as nos mastros
bordadas de estrelas?
Não temos coração de ferro
e também nos dói
ver companheiros
caídos em desgraça.
Gostaríamos de tê-los entre nós
todos satisfeitos e leves
como o cão balançando a cauda
o menino no colo
o amante no abraço
o corpo aquecido no sol
a bandeira vermelha
tremulando limpa.
Mas agora não é hora
de alegria
choro amargo
olhar de lado
ou deixar
que afunde o barco.
No campo aberto
das batalhas perdidas
recolhemos despojos
e tratamos feridas expostas
enquanto as hienas
rondam e riem.
Diante do sol
retomamos o mesmo desafio
de dar as mãos
e costurar de novo
as nossas bandeiras vermelhas
bordadas de estrelas.
Aliando luta e leveza
Marcelo Mário de Melo
Apolônio de Carvalho teve uma vida com vários roteiros. E uma vida envolvida em importantes acontecimentos da história do Brasil e do mundo, nos quais ele sempre esteve combatendo ao lado das forças democráticas e socialistas. Começou na Academia Militar, no Rio Grande do Sul, como tenente do Exército Brasileiro, integrando-se à Aliança Nacional Libertadora, vertiginoso movimento democrático-popular em nome do qual eclodiu o levante militar revolucionário de 1935. Atingido pela repressão, Apolônio foi recolhido a um presídio político no Rio de Janeiro. Libertado, alistou-se nas Brigadas Internacionais, na Espanha, onde atuou como comandante em inúmeras batalhas. Com a derrota da República espanhola, atravessou a fronteira e passou a viver na França num campo de refugiados, em regime de semi-prisão. Com a ocupação pelos nazistas, integrou-se ao PC Francês e à resistência francesa, onde chegou a comandar 2.000 homens e foi responsável pela libertação de duas regiões.
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Na França Apolônio conheceu Renée, jovem militante de uma família de comunistas que atuava no transporte de explosivos e em outras missões, com quem teve dois filhos, nas alternâncias do amor e da guerra. Com a onda democratizante do pós-guerra e a queda da ditadura Vargas no Brasil, o Partido Comunista na legalidade, Apolônio regressa e vai dirigir a União da Juventude Comunista. Estamos em 1945. Em 1947 o PC é posto na ilegalidade e a UJC dissolvida. Em seguida, os deputados comunistas têm os mandatos cassados. Novamente, Apolônio mergulha na clandestinidade, cumprindo tarefas organizativas determinadas pelo Comitê Central.
Em fins da década de 50 e até meados da década de 60, quando o PCB viveu um clima de semi-legalidade, integrando o seu Comitê Central, Apolônio ministrava cursos de marxismo em todo o país e era responsável por uma coluna no jornal Novos Rumos, onde respondia a indagações teórico-políticas dos militantes. Com o golpe militar que implantou a ditadura no Brasil em 1964, ele se coloca na ala esquerda do Comitê Central do PCB, denominada de Corrente Revolucionária, que defendia a preparação para a luta armada. A luta interna resultou na Formação do PCBR - Partido Comunista Revolucionário, cujo Comitê Central Apolônio integrou, ao lado dos jornalistas Mário Alves e Jacob Gorender, entre outros.
Em 1969, com 58 anos de idade, Apolônio foi preso e resistiu à prisão e às torturas. Em 1970 foi incluído numa lista de presos políticos libertados em troca da liberdade de um embaixador seqüestrado. Da Argélia passando à França, atua na fundação do Partido dos Trabalhadores, integra o seu Diretório Nacional e é eleito vice-presidente, ao lado do presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Somente por recomendação médica, na década de 90, Apolônio afastou-se da militância política intensa. E aí dedicou-se a escrever o seu livro de memórias, intitulado "Vale a Pena Sonhar", onde traça um largo painel da sua experiência política e faz o reconhecimento autocrítico dos erros coletivos e individuais de dogmatismo e estreiteza política, agitando as bandeiras da criticidade, do pluralismo, da flexibilidade política e do amplo trabalho de massas, como norteadores da luta pela democracia e o socialismo.
Falar de Apolônio de Carvalho, apenas, exaltando os seus feitos militares, a sua dedicação e o seu heroísmo diante dos torturadores, é retratá-lo com a face mutilada. A grandeza de Apolônio foi, exatamente, aliar a tudo isto uma elevada delicadeza, uma vasta coloquialidade, um jeito afetivo e atencioso de tratar, um espírito de confraternização permanente, traduzido em olhos atentos e espertos de quem está sempre com um cálice imaginário na mão, pronto para levantar um brinde às coisas boas e belas da vida. Talvez por tudo isto, o seu grande amigo, o ator, o escritor e compositor Mário Lago tenha dito que Apolônio não era um homem: era um anjo. E para não deixar de falar dos seus defeitos, vão aqui dois deles: era um entusiasta exagerado e transmitia largamente, sem nenhum cuidado, o vírus da esperança.
Publicado em La Insignia, edição de 24 de setembro.
Escrito sofridamente na noite do dia em que morreu Apolônio, por intimação de Urariano Mota.
Em fins da década de 50 e até meados da década de 60, quando o PCB viveu um clima de semi-legalidade, integrando o seu Comitê Central, Apolônio ministrava cursos de marxismo em todo o país e era responsável por uma coluna no jornal Novos Rumos, onde respondia a indagações teórico-políticas dos militantes. Com o golpe militar que implantou a ditadura no Brasil em 1964, ele se coloca na ala esquerda do Comitê Central do PCB, denominada de Corrente Revolucionária, que defendia a preparação para a luta armada. A luta interna resultou na Formação do PCBR - Partido Comunista Revolucionário, cujo Comitê Central Apolônio integrou, ao lado dos jornalistas Mário Alves e Jacob Gorender, entre outros.
Em 1969, com 58 anos de idade, Apolônio foi preso e resistiu à prisão e às torturas. Em 1970 foi incluído numa lista de presos políticos libertados em troca da liberdade de um embaixador seqüestrado. Da Argélia passando à França, atua na fundação do Partido dos Trabalhadores, integra o seu Diretório Nacional e é eleito vice-presidente, ao lado do presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Somente por recomendação médica, na década de 90, Apolônio afastou-se da militância política intensa. E aí dedicou-se a escrever o seu livro de memórias, intitulado "Vale a Pena Sonhar", onde traça um largo painel da sua experiência política e faz o reconhecimento autocrítico dos erros coletivos e individuais de dogmatismo e estreiteza política, agitando as bandeiras da criticidade, do pluralismo, da flexibilidade política e do amplo trabalho de massas, como norteadores da luta pela democracia e o socialismo.
Falar de Apolônio de Carvalho, apenas, exaltando os seus feitos militares, a sua dedicação e o seu heroísmo diante dos torturadores, é retratá-lo com a face mutilada. A grandeza de Apolônio foi, exatamente, aliar a tudo isto uma elevada delicadeza, uma vasta coloquialidade, um jeito afetivo e atencioso de tratar, um espírito de confraternização permanente, traduzido em olhos atentos e espertos de quem está sempre com um cálice imaginário na mão, pronto para levantar um brinde às coisas boas e belas da vida. Talvez por tudo isto, o seu grande amigo, o ator, o escritor e compositor Mário Lago tenha dito que Apolônio não era um homem: era um anjo. E para não deixar de falar dos seus defeitos, vão aqui dois deles: era um entusiasta exagerado e transmitia largamente, sem nenhum cuidado, o vírus da esperança.
Publicado em La Insignia, edição de 24 de setembro.
Escrito sofridamente na noite do dia em que morreu Apolônio, por intimação de Urariano Mota.
Nessa hora de cinzas...
Pedro Tierra
Dedicado ao companheiro Apolônio de Carvalho, escrito em 2005. Ele, Apolônio, ouviu emocionado parte do poema na última ocasião em que nos encontramos.
Hoje, quando a primavera pública reclama
teu corpo para manter acesa
a explosão das flores e fecundar
a vertiginosa aventura da vida,
indago dos ipês deste setembro:
"Vale a pena sonhar?"
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E recolho nas sombras da memória
onde oculto meus fantasmas
a urgente caligrafia dos relâmpagos
com que você redigiu sua resposta:
"Vale a pena sonhar".
Tardio, deixo sobre teu coração
arado pelas batalhas do século,
como a última folha
do inverno que se despede
para ceder ao broto
- lágrima de lua nova -
destilada do tronco
durante o vasto e seco sono dos cerrados,
um verso antigo, dito em voz baixa,
diante da luz maravilhada dos teus olhos.
Talvez já estivesse escrito
- e não sabemos -
pelas mãos invisíveis do poeta
que nos habita o sangue,
nos muros de uma cela na Rua da Relação;
nas encostas do vale do Ebro,
numa esquina sombria de Toulouse ocupada;
num calabouço da Barão de Mesquita
ou num livro de atas, no Colégio Sion:
"Nessa hora de cinzas e sonhos devastados,
recolher nas mãos aquela estrela,
que entre as dobras da sombra
se revela
e acender a metade humana que combate
e combatendo recria
apaixonadamente
a utopia."
onde oculto meus fantasmas
a urgente caligrafia dos relâmpagos
com que você redigiu sua resposta:
"Vale a pena sonhar".
Tardio, deixo sobre teu coração
arado pelas batalhas do século,
como a última folha
do inverno que se despede
para ceder ao broto
- lágrima de lua nova -
destilada do tronco
durante o vasto e seco sono dos cerrados,
um verso antigo, dito em voz baixa,
diante da luz maravilhada dos teus olhos.
Talvez já estivesse escrito
- e não sabemos -
pelas mãos invisíveis do poeta
que nos habita o sangue,
nos muros de uma cela na Rua da Relação;
nas encostas do vale do Ebro,
numa esquina sombria de Toulouse ocupada;
num calabouço da Barão de Mesquita
ou num livro de atas, no Colégio Sion:
"Nessa hora de cinzas e sonhos devastados,
recolher nas mãos aquela estrela,
que entre as dobras da sombra
se revela
e acender a metade humana que combate
e combatendo recria
apaixonadamente
a utopia."
Meu pai (Mário Lago) dizia que Apolônio era um anjo de metralhadora. Ele foi, de fato, um comunista integral, que soube estabelecer e preservar valores individuais revolucionários. Certamemte, a doçura tão propalada de Apolônio reflete a sua capacidade de vivenciar, pessoalmente, os melhores ideais socialistas, de novas relações não só econômicas, mas, principalmente, humanas. Um viva permanente a Apolônio! E um brinde a Renée, sua companheira de vida e de lutas.
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